“Se, por um lado, os poderes do homem, o animal sábio, nos
enchem de admiração, por outro lado, não podemos deixar de nos espantar com a
lentidão da sua aprendizagem. E o maior de todos os obstáculos a essa
aprendizagem é a quantidade de aprendizagem acumulada que com as suas ilusões
de conhecimento ele foi juntado”
In “os Pensadores” – capítulo 21 – “Francis Bacon e a visão
dos velhos ídolos e dos novos domínios”, de Daniel J. Boorstin.
Sinto-me assim, num novo renascimento da consciência de que
o que “sei” atrapalha mais o que” desejo saber”, e que não posso escapar dessa
condição animal, orgânica, que me liga ao Real e às Coisas.
Sou um homem e sinto, comovo-me, amo, odeio, alegro-me,
zango-me, sinto prazer, dor, desconforto, comichão, cócegas.
Não sou apenas este corpo, em transformação, em constante
recursão, reconstrução autopoiética, mas dele dependo para a perceção e interação
com o que me rodeia.
Pois o que me acontece é que após 39 anos de acumulação de
informação, no meio de tanta sensação, intuição e emoção, já é com dificuldade
que me consigo posicionar para ver com clarividência o Universo à minha volta.
Quem sou, de onde venho, para onde vou?
Aliás, já me custa até pensar nestas questões do de onde
vimos, para onde vamos, quem somos.
Em verdade, as questões já nem me aparecem como “porquês”
mas antes como um simples “para que serve?”
Para que servem afinal o Saber, a Sabedoria e a Consciência?
Hoje, no meio de uma tarde prazenteira, ensolarada, brinco
no jardim com os meus Filhos e só amiúde me distraio, das suas gargalhadas e
tropelias, pela brisa temperada que me passa pelos cabelos.
É um estado de graça que agradeço a Deus, aos Deuses, ao
Cosmos.
Por cima de mim navegam nuvens enormes, voluptuosas, num
lento vórtice que me dá a sensação que é antes a Terra que se move.
E o azul enche-me. E a sua luz enche os meus Filhos de Sol,
e nos seus sorrisos sinto saúde, vejo o Amor e as promessas do futuro.
Para que servem afinal o Saber, a Sabedoria e a Consciência?
O meu Pai tem andado doente, o pecúnio que recebo pela minha
prestação no trabalho não me chega para pagar as contas e o desemprego ameaça
ou afeta metade dos meus Amigos.
O tempo míngua de tal forma que já quase não consigo pintar.
E o Mundo ainda está cheio de fome, doença, injustiça e guerra.
Para que servem afinal o Saber, a Sabedoria e a Consciência?
Paro.
Paro por um bocado.
Olho para todo este fluxo imparável, incomensurável de
informação que se me atravessa pela frente e procuro despertar.
Acordo e paro e fico só atento, a olhar, a ouvir, a sentir,
a cheirar…
Paro e despojo-me das vestes, andrajos, com que me tenho
enfeitado…
Servem a minha liberdade, serve a liberdade dos meus
Meninos.
Servem o meu desejo de viver.
Servem a minha felicidade.
Servem a minha ligação ao Real, ao Mundo e ao Outro, sem
subversões ou subjugação.
Servem-me de coragem para esvaziar o copo quando é preciso, para
abrir as janelas da mente, para que a alma se me não cristalize ou coagule, não
pare nem no tempo nem no espaço.
Ao mesmo tempo, não servem para nada… por isso as procuro,
as escolho.
NQ, Abril 2014
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