sábado, 7 de fevereiro de 2009

Projecto Polaris - paradigma e anti-paradigma



Fundamentação


Arte Bruta

Os Autores da chamada Arte Bruta são resistentes e posicionam-se (ou são posicionados) à margem do amestramento, educação e condicionamento culturais, enraizando-se esta forma de estar num processo de exclusão que os classifica como “rebeldes de espírito” atreitos a qualquer norma colectiva ou de valor. Parte-se, portanto, do princípio de que existe uma resistência a receber estímulo ou motivação a partir da cultura e que também não existe o desejo de retribuir algo a esta cultura. Como se o padrão existente (ou imposto) fosse um de antagonismo com os procedimentos específicos do sistema de legitimação, divulgação e distribuição de arte.

Esta denominada Arte Bruta ou Crua ( Art Brut – Raw Art) apresenta ( ou são-lhe entendidos) traços formais considerados distintivos: as obras são, na sua concepção e tecnologia, amplamente livres de influências ou emergem a partir da tradição artística que lhes serve de contexto. Estes Autores aplicam materiais, conhecimentos e princípios da figuração inéditos, criados pelos próprios Autores, geralmente na língua materna (no caso da escrita) e com um trabalho técnico e tecnologicamente desprovido de preconceitos.

Na maioria dos casos, estas características estilísticas e sociais são combinadas e amplificadas criando uma certa ressonância: instala-se a noção de que o desvio favorece a singularidade da expressão.

Paradigma e Anti-Paradigma

O Museu de Arte Bruta em Lausanne

Esta colecção única é dedicada a esta chamada Arte Bruta, Crua, também denominada “Arte Marginal”, e à produção criativa de pessoas sem qualquer formação artística – muitas vezes pessoas solitárias, com deficiência ou doença mental ou ainda com percurso ou perfil de criminalidade – e que por alguma razão, repentinamente começaram a produzir a sua própria arte, em muitas ocasiões já na idade madura ou velhice. O resultado ( no caso de se querer aqui propor uma relação causal) é uma arte inteiramente auto motivada, isenta de quaisquer conceitos, convenções ou regras artísticas formais, que desafia tanto o entendimento e análise que por vezes tendemos a postular sobre estes “Artistas Marginais”, como as nossas próprias expectativas de como entendemos que a arte deve ser.

Sem realmente fazer ou afirmar nada de específico, O Museu de Arte Bruta em Lausanne, a sua galeria e a sua colecção mantêm abertos e cuidam de todo este espólio, histórico e conceito; mantendo as biografias dos artistas ao lado de cada obra, contando histórias por vezes dilacerantemente tristes ou perturbadoras. A galeria expõe por exemplo a arte de Henry Darger, um porteiro de hospital em Chicago, que morreu sozinho, já idoso e completamente desconhecido dos seus vizinhos; foi só depois da sua morte que a sua novela de 19,000 páginas, ilustrada com dúzias de aguarelas detalhadas, com três metros de comprimento, veio à luz. Ou ainda a história do escocês Terrier Wilson, um negociante iletrado de Glaswegian que começou com 40 anos de idade a produzir desenhos caprichosos e inacreditavelmente intricados. Enquanto uma galeria de arte de Londres vendia os seus desenhos por centenas de libras, Wilson foi encontrado na rua a vendê-los aos transeuntes por uma libra ou duas.
Para além da sua colecção permanente, fundada por Jean Dubuffet, a galeria tem exposições temporárias regulares da Arte Bruta de Artistas de todo o Mundo e é definitivamente o maior paradigma na preservação e divulgação do trabalho de Autores com Necessidades Especiais .

Mas é ao mesmo tempo um anti-paradigma…

É-o no sentido em que «classifica dentro de limites e fronteiras» o trabalho destes Autores sem deixar grande espaço para a sua interpretação, para além da sua dor, sofrimento, diferença, quando em muitos casos toda esta interpretação mais não é senão um estereotipo.

O que propomos é um Projecto com o mesmo cuidado por este espólio, histórico e conceito; com valorização da biografia e identidade dos artistas também, mas ao lado de outros autores com expressão no mercado, na cultura, sujeitando todo o processo curatorial de escolha de obras para colecção e exposição segundo temas, ideias, oportunidades, reflexões e não segundo deficiência, doença, desvio ou qualquer outro rótulo que possa ser um obstáculo ao entendimento completo, humano e inclusivo da representação diferente de Artistas que são, no fundo e em condição e direitos, iguais a todos os outros.


A nossa proposta é criar, em primeiro lugar, um novo paradigma de Galeria, que não rotulando os Artistas segundo categorizações como a Arte Bruta ou a Raw Art, possa sistematizar a exposição de Autores com Necessidades Especiais juntamente com outros Autores do mercado, numa linguagem mais inovadora, próxima das “mainstreams”, e em última análise, mais inclusiva.

A este projecto, a esta visão, decidimos atribuir o nome Polaris, a Estrela Polar, o norte para um caminho que só se faz mesmo a caminhar, mas para o qual temos e propomos uma direcção.


Nuno Quaresma

Fevereiro de 2009



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