terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

Nu, não despido
























Vejo-te nua, vejo-te nu, não despidos…

Já há 15 anos que não desenhava com modelo vivo e este olhar que não
despoja, antes vê, com ternura, com respeito, a cada traço, em cada
pincelada é um gesto religioso de reverência à Vida humana e à sua
forma.
Para quem nunca deu conta do significado desta disciplina formal, no
âmbito do desenho, a sua prática funda-se na experiência enraizada ao
longo dos tempos que o Desenho de Modelo é realmente o exercício mais
completo para compreender conceitos como: composição, enquadramento,
volumetria, claro-escuro, linha, mancha ou trama.
É o desenho na escala do humano que no fundo se transforma em
referência nuclear e centro de gravidade para a nossa relação com o
mundo que nos rodeia.
Mas o Nu, em si, não é apenas, e dentro deste contexto das Artes, uma
representação de uma pessoa sem indumentária ou ponto de partida para
uma aprendizagem meramente artística.
O Nu traz consigo outras conotações.
Na sua percepção simbólica pode, entre outras coisas, ser evocado como
a Verdade, despojada de todos os acessórios.
Na Grécia Antiga, em regiões como Minoa e Esparta, a nudez era,
seguindo esta leitura, francamente bem aceite. Nos Jogos Olímpicos, os
Atletas competiam inclusivamente nus. A palavra Ginásio, por exemplo,
significa local de nudez.
Até ao início do séc. VIII, os baptismos cristãos eram recebidos em
despojamento e nudez também, numa imersão em água, a simbolizar um
novo nascimento. O Nú como o primeiro momento existencial…
O desaparecimento desta prática acentuou mais tarde, a conotação
sexual da nudez.
Verdade, Simbolismo, Espiritualidade, Religiosidade, Erotização, Vergonha…
Nestes desenhos fazemos assim, não uma representação, mas uma
reapresentação de todas as nossas experiências em contato com o mundo
circundante, elaboradas com completo envolvimento da nossa organização
primária, dos nossos padrões de vivência, da nossa vontade
incontornável de saber e Ser mais. Que riqueza!
O Antropocentrismo e humanismo subjacentes a esta modalidade de
desenho são assim tecidos pelo desenhador e espectador em torno dos
corpos que habitamos e dos outros que sentimos habitados, sem
preconceitos sobre o que é o real ou sequer sobre a presença de cada
um nos seus domínios particulares de existência.

A mim, pessoalmente, em cada Modelo deslumbra-me a relação que
estabelecem com o espaço, com as infinitas possibilidades de
mobilidade e posicionamento dentro dele. Enternece-me cada ténue
interacção com os desenhadores, pintores, escultores, também eles,
também eu, outros corpos atarefados neste vínculo momentâneo em que,
em traços ou pinceladas, tanta coisa se torna sublime e desvela.

Se queres partilhar um pouco desta energia, em contacto com os
originais, podes encontrar uma selecção disponível para venda em:

Atenciosamente,
Nuno Quaresma
Maio de 2011