Isto não é um chapéu…
O novo paradigma da Ilustração no
contexto da comunicação
“UMA VEZ, tinha eu seis anos, vi uma
imagem magnífica num livro sobre a Floresta Virgem chamado «Histórias Vividas».
Era uma jiboia a engolir uma fera. Copiei o desenho para vocês poderem ver como
era (…)
(…) Então, pensei e tornei a pensar
nas aventuras da selva, peguei num lápis de cor e acabei por conseguir fazer o
meu primeiro desenho. O meu desenho número 1(…)
(…) Fui mostrar a minha obra-prima às
pessoas grandes e perguntei-lhes se o meu desenho lhes metia medo.”
Excerto da obra “O Principezinho” (1943), de Antoine de
Saint-Exupéry
Se conhece a
obra “O Principezinho” já deve ter percebido que se trata do início da história
e que fala especificamente de um desenho de uma jiboia que engoliu um elefante
e que alguns insistem tratar-se apenas de um chapéu, ou melhor, da
representação de um chapéu.
É este o
poder magnífico da ilustração. Representa parcialmente, mas não conta toda a
história, pois não é a sua função substituí-la.
É também
muitas coisas ao mesmo tempo. É elefante na barriga de uma jiboia, mas não
deixa de ser um chapéu de um elegante cavalheiro nos anos 30 ou 40.
Na sua
sofisticada linguagem de desenho e cor, desvela sem fechar as portas ao
imaginário do leitor.
Desafia a
inteligência enquanto a tranquiliza no seu discurso despojado, simples.
… e é, quase
sempre, bela, muito bela…
Seria um
exercício fútil fazer um elogio de uma modalidade de Artes Visuais que já é tão
amplamente apreciada, mas no contexto da comunicação da Fundação Salesianos é
importante entender a história da sua adoção, uso e renovada pertinência nesta
nossa missão de relatar o bem que se faz nas casas de Salesianas, sucedâneas da
obra emblemática e carismática do nosso querido Fundador, São João Bosco.
Porque a
obra é boa e a força e energia das suas comunidades extraordinária, estamos
sempre á procura de alguns recursos fundamentais!
Necessitamos
de imagens cheias dessa alegria, amabilidade, otimismo e fé e durante quase
toda a nossa história, todas essas características eram impreterivelmente
encontradas nos rostos, sorrisos, olhares e conquistas dos jovens, contadas em
momentos fotográficos, de elevado valor documental, de enorme riqueza artística
e com uma semântica intemporal.
Mas hoje a web
domina e galvaniza a maior parte das atenções, e aqui como todas as outras grandes
organizações também fomos lentamente povoando este lugar, que está justamente e
profusamente povoado de jovens, à procura do outro, de sentido e de informação.
Se fosse
este o tempo de D. Bosco ele estaria lá, e é lá que queremos estar, ao serviço
dos Jovens, para que não percam de vista essa missão importante de serem “Bons
Cristãos e Honestos Cidadãos”.
Um olhar atento, num novo tempo
A internet
trouxe benefícios incontáveis, mas criou também novas ameaças, muitas delas
dirigidas à nossa privacidade e segurança.
Com o objetivo
de dar aos cidadãos e residentes formas de controlar os seus dados pessoais e
unificar o quadro regulamentar europeu nesta matéria, o Parlamento Europeu e
Conselho da União Europeia aprovou a 14 de abril de 2016 o RGPD - Regime Geral
sobre a Proteção de Dados e o paradigma mudou.
O Sistema Preventivo
Salesiano já estava imbuído do espírito de todas estas preocupações e
orientações, todas elas dirigidas para a proteção e desenvolvimento integral e
acompanhamento dos seus jovens, mas este novo quadro legislativo, que entrou em
vigor a 25 de maio de 2018, continha especificidades importantes que era
fundamental entender e integrar na nossa forma de trabalhar.
O RGPD, para
além de todas as medidas orientadas para a salvaguarda dos dados pessoais e das
definições de acesso a esses dados, coloca restrições mais específicas e rígidas,
em relação à divulgação e utilização de imagens dos alunos e das suas
atividades,
A
comunicação destas iniciativas tornou-se um processo mais moroso e complexo, e
a urgência dos tempos pós-modernos adensava a necessidade de criar soluções
para estes e outros desafios.
“Technology is one reason why
editorial illustrations are looking flatter, sharper, and arguably more
generic. It’s hard to miss the trend.”
Artigo “Why editorial illustrations look so similar
these days”, de Anne Quito https://qz.com/quartzy/1728767/why-editorial-illustrations-look-so-similar-these-days/, consultada a 22 de junho de 2020
Em
simultâneo em sintonia com a evolução do modelo organizativo da Fundação
Salesianos, a marca corporativa e identidade gráfica dos Salesianos em Portugal
estava a evoluir para um design mais simples, funcional e plano, para formatos
muito mais ajustados aos vários “displays”digitais, desde as telas minúsculas
do Apple Watch, passando pelos ecrãs dos nossos “tablets” e “smartphones” ou
outros suportes audiovisuais.
Encarámos naquele
momento uma dificuldade acrescida em comunicar, sem a matéria-prima fotográfica
ou com opções muito reduzidas, agora sujeitas a maiores limitações impostas
pelo Regulamento… mas tínhamos também aqui uma nova oportunidade.
Ilustração - espiritualidade de
leitura estética
“Como se escreve Jerôme Cottin, há um
cristianismo visual fundado sobre uma Palavra vista e contemplada, não apenas
lida. E esta hermenêutica, que traduz procedimentos estéticos, se muitas vezes,
erradamente, é tomada como mero adorno ou suplemento, à maneira das Iluminuras
se colocavam a margem do texto, é, no entanto, dotada de uma energia fulgurante
que testemunha o caráter estético da própria revelação.”
“A leitura infinita, a Bíblia e a sua interpretação”,
de José Tolentino de Mendonça, Paulinas Editora, 2ªedição, Março de 2015
Começar a
ilustrar para as nossas publicações digitais e tradicionais foi fazer emancipar
um repertório iconográfico, simbólico, expressivo e espiritual numa experiência
eletrizante e arrebatadora.
Convocámos o
“novo” para suscitar curiosidades inusitadas, sem perder de vista o valor de um
rosto ou olhar capturados em fotografia, mas encontrando alternativas num modo
inovador e ajustado aos formatos nativos do digital.
Começámos a
contar histórias visuais com formas planas mais fáceis de carregar e instalar
em qualquer tela ou ecrã e hoje em cada Tema Pastoral, o sinal marca criado
para o efeito é sempre coadjuvado por uma coleção de ilustrações que reforçam
as ideias e crenças orientadoras que inspiram e tutelam as nossas comunidades
em cada ano novo ano letivo.
Em cada
festa ou evento passou a existir um conceito ilustrativo que foi, gradualmente,
acrescentando cor, robustez descritiva e eficácia comunicativa a estes momentos
chave que marcam o calendário da Congregação, das suas Obras e Escolas.
No Boletim
Salesiano pintamos imagens inspiradas nas “Histórias para contar aos mais
novos”, com episódios da vida de Dom Bosco e nela codificámos também a amável
sabedoria, os ensinamentos do Pai e Mestre da Juventude.
Hoje,
olhamos para trás e conseguimos contemplar e entender a forma lenta e ponderada
com que implementámos este novo instrumento, este novo paradigma.
Encontrámos
na ilustração - usando, com humildade e admiração infinita, as palavras do Papa
Francisco - uma forma de “Tecer
histórias…” ou exemplos de “… Quando
fazemos uma memória do amor que nos criou e salvou, quando metemos amor nas
nossas histórias diárias, quando tecemos de Misericórdia as tramas dos nossos
dias, nesses momentos vamos mudar de página” [1].
“
Fiz o desenho outra vez:
Mas
tal como os anteriores, também foi rejeitado:
-
Esta é velha de mais. Eu quero é uma ovelha que viva muito tempo.
Então,
já sem grande paciência, porque estava com pressa de começar a desmontar o
motor, rabisquei este desenho.
ovelha
dentro de uma caixa
caixa
com uma ovelha lá dentro
E
arrisquei:
-
Isto é a caixa. A ovelha que tu queres está lá dentro.
Para
grande espanto meu, vi que o rosto do meu jovem juiz se iluminava.
-
Era mesmo, mesmo assim que eu a queria! Achas que esta ovelha vai precisar de
muita erva?
-
Porquê?
-
Porque o meu sítio é muito pequenino...
-
Mas chega, com certeza. A ovelha que te dei é muito pequenina.
Baixou
a cabeça para o desenho:
-
Tão pequenina como isso também não... Olha! Adormeceu...
E
foi assim que eu travei conhecimento com o principezinho.”
Excerto da obra “O Principezinho” (1943), de Antoine de
Saint-Exupéry
Nuno Quaresma, 22 de Junho de 2020.